Professor Renato Cordeiro Gomes: vocação para compartilhar o saber
Dono de um currículo extenso, com inúmeros livros e artigos publicados, o professor Renato Cordeiro Gomes, era uma referência como pesquisador nos campos da comunicação, da cultura e de letras. Triangulava essas áreas com o vigor e a argúcia que marcariam não só a sua rica trajetória acadêmica, mas o trato social. No convívio com amigos, familiares e colegas de academia, Renato distribuía tiradas irreverentes com a simplicidade de quem compartilhava generosamente os saberes acumulados com os alunos e com os próprios pares. Por isso tornou-se uma figura marcante nos 46 anos anos dedicados à PUC-Rio, tanto no Departamento de Comunicação Social, no qual teve papel importante para o amadurecimento da pós-graduação, quanto no Departamento de Letras.
Doutor e mestre em Letras pela PUC-Rio, da qual era professor associado, ele também lecionou literatura na Uerj, por 20 anos (1973-1993). Pesquisador 1A do CNPq, consultor ad hoc do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, da Faperj e da Capes, Renato Cordeiro Gomes publicou livros - "Todas as cidades, a cidade" (Rocco, 1994, relançado em 2008); "João do Rio: vielas do vício, ruas da graça" (Relume-Dumará, 1996); "João do Rio por Renato Cordeiro Gomes" (Agir, 2005) -, e organizou com Izabel Margato as coletâneas (Ed. UFMG) "O papel do intelectual hoje" (2004); "Literatura, Política, Cultura" (2004); "Espécies de espaço" (2008); "Literatura e Revolução" (2011) e "Novos realismos" (2012). A maioria deles se debruçava nas articulações entre comunicação, cultura e literatura, trilho pelo qual instigava reflexões sobre a construção de sentido no mundo. Reflexões desdobradas em debates, palestras e num extenso conjunto de artigos, ensaios e livros. Dele fazem parte, por exemplo,
O diretor do Centro de Teologia e Ciências Humanas (CTCH) da PUC-Rio, professor Júlio Cesar Valladão Diniz, lamentou profundamente, em nota oficial, "o falecimento do nosso querido e inesquecível amigo Prof. Renato Cordeiro Gomes, docente do Departamento de Letras, que marcou de maneira singular e definitiva sua passagem pela nossa Universidade e por todas as instituições por onde esteve". Diniz acrescentou: "Todos nós, amigos, parentes, colegas de trabalho, alunos e ex-alunos sentiremos muito a sua ausência. Em nome do Decanato do CTCH, expressamos nossa saudade e a certeza de que Renato fará muita falta".
Renato assinou, entre as incontáveis produções acadêmicas, a apresentação da tradução de "Cultura e representação", de Stuart Hall, que a Editora PUC-Rio publicou em 2016, com a Editora Apicuri. Em entrevista ao Jornal da PUC sobre o livro, Renato comentou: "Nós tentamos jogar um pouco com o próprio papel do Stuart Hall. Ele faz uma revisão do conceito partindo da cultura (por isso o título em português é perfeito), da representação e da significação. O que Stuart Hall mostra, com o auxílio de exercícios e citações, é uma revisão sobre signos, língua e discurso de Saussure. A linguagem é muito clara mesmo no original em inglês. Hall desconstrói a ideia de que a representação seria uma cópia da realidade. Chamo de ficções do espelho. O espelho nunca vai apresentar uma cópia. O signo remete a um referente. Quando se tem uma crise neste quesito, não é o sentido realista que se discute, mas sim o nominalista. O que chamamos de arte, por exemplo, não tem uma representatividade mimética, porque não tem o intuito de ser uma cópia da realidade."
Para o cooodenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-Rio, professor Arthur Ituassu, organizador e revisor desse livro, um dos traços principais de Renato Cordeiro Gomes era a capacidade de harmonizar a complexidade inerente aos temas abordados com uma vocação para dividir o saber:
- O professor Renato Cordeiro Gomes é uma referência fundamental da história do Departamento e de nosso Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Pesquisador renomado, lecionou e pesquisou nos campos da comunicação, cultura e literatura. Apesar de tratar desses e outros temas com a complexidade que lhes é própria, sempre teve na simplicidade uma marca da sua vocação de compartilhar o saber. Sinto orgulho de ter sido seu aluno e lhe sou imensamente grato por tudo que fez para nosso Programa e nosso Departamento.
A gratidão revela-se comum entre os professores, pesquisadores e alunos que conviveram com o professor ao longo do quase meio século de vida universitária. Ele contribuiu para a formação intelectual e humanística de sucessivas gerações de estudantes, sobretudo nas áreas da comunicação e da cultura. Vários deles tornariam-se colegas de academia.
O conhecimento e o bom humor compartilhados renderam-lhe, fora o reconhecimento acadêmico, uma coleção de amizades e parcerias profissionais. Uma das mais recentes foi o artigo "Rastros e imagens sobreviventes na era de Aquarius: corrosão e gentrificação na metrópole de Kléber Mendonça Filho". Produzido com a coordenadora de Graduação em Comunicação, professora Tatiana Siciliano, foi publicado na revista ECompós, em 2018. Tatiana sintetiza:
- Conhecimento, generosidade e afeto. Palavras que, combinadas, descrevem Renato. Professor em tempo integral, sempre disposto a inspirar, ajudar e a inserir alunos e colegas. Foi um privilégio desfrutar de sua convivência. Aprendo muito. Fica para sempre a gratidão e a saudade.
Renato também amealhou amizade e reconhecimento entre alunos e professores de Letras. O diretor do Departamento, Alexandre Montaury Baptista Coutinho, expressou a gratidão e o carinho já cercados de saudade: "Depois de tantos anos de dedicação à nossa Universidade, o professor deixa muitas amizades e afetos no campus da PUC-Rio. Dirigimos os nossos sentimentos de profunda tristeza a seus familiares, amigas, amigos, colegas, alunas, alunos e ex-alunos".
A professora Vera Figueiredo é uma dessas amizades amealhadas por Renato na vida acadêmica. Construiu com ele, por mais de quatro décadas, uma afinidade que ultrapassou o caminho comum entre os nuniversos da cultura e da comunicação. Com o habitual olhar amoroso, Vera descreve assim o amigo: "Renato Cordeiro Gomes era um intelectual refinado, com vasta cultura geral, como raramente se encontra hoje em dia. Leitor apaixonado da literatura e, por isso mesmo, um grande crítico literário. Mas acima de tudo um professor que acreditava na educação como caminho para a construção de um mundo melhor. Em vez das vaidades acadêmicas, era movido pelo empenho em transmitir conhecimento. Trabalhei com ele durante 40 anos, nunca vi Renato fazer mal a ninguém. Era generoso, solidário e por isso foi muito amado. Deixa uma obra admirável, voltada nos últimos tempos para a relação entre literatura e experiência urbana. Estamos perdendo muito com a partida desse professor que deu aula em escolas publicas, no ensino médio, com o mesmo entusiasmo que, depois, caracterizou suas aulas na universidade".
O professor Renato Cordeiro Gomes morreu nesta quinta-feira (5), aos 76 anos, por complicações renais. O velório será nesta sexta-feira (6), às 10h; e a cremação, às 14h, no Memorial do Carmo (Vertical), no Caju, zona portuária do Rio.